sábado, 28 de janeiro de 2012

INTRODUÇÃO


Antes de fazer qualquer abordagem sobre este Livro, é importante atender aos seguintes esclarecimentos:

1.      O Cântico dos Cânticos é uma parte inseparável do Cânon das Escrituras Sagradas, inspirado pelo poder do Espírito Santo, e, portanto, igualmente próprio para a nossa edificação espiritual.

2.      Os doutores judaicos do Antigo Testamento nunca questionaram a sua canonicidade, e nem estranharam a sua linguagem alegórica, sempre ensinando que este Livro tem uma única mensagem central: O relacionamento que Deus mantém com o seu povo redimido.

3.      O contexto deste Livro é o povo de Israel, a Igreja visível do Antigo Testamento. Esta Igreja era composta de uma multidão mista, Ex.12:38. “Donze­las”, membros que amam a Cristo e são comprometidos com Ele; e, as “filhas de Jerusalém”, membros descomprometidos, que questionam a importância singular de Cristo. “Que é o teu amado mais do que outro amado?” Ou, na linguagem do Novo Testamento, “virgens prudentes”, que zelam por sua espiritualidade; e, “virgens néscias”, que não se preocupam com a sua vida espiritual, Mt.25:1-13. A parte inconstante tem a tendência de irar-se contra os perseverantes fiéis. “Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora”.

4.      A linguagem poética deste Livro também é encontrada em outras partes da Bíblia. Às vezes, Deus se autodenominava como “Marido” de Israel; e este povo como a sua “desposada”. “Como o noivo se alegra da noiva, assim de ti se aleg­rará o teu Deus” Is.54:5; 62:4-5. No Novo Testamento, este relacionamento nupcial fica ainda mais claro. Cristo é representado como sendo o “Noivo” da sua Igreja; e a Igreja como “virgem pura a um só esposo, que é Cristo” Mt.25:1; 2 Co.11:2. A melhor chave para o Livro Cântico dos Cânticos é o Salmo 45, cuja linguagem se assemelha a várias partes deste Livro.

5.      Rejeitamos a teoria moderna que ensina que Salomão está descrevendo o seu namoro com uma das suas muitas mulheres. Este tipo de comparação já des­virtuou a espiritualidade de outras partes alegóricas das Escrituras Sagradas e procura fazer a mesma nulificação aqui. A linguagem deste Livro é tão subli­me e espiritual, que ultrapassa qualquer experiência comunicativa entre homem e mulher. Através desta parte da revelação divina, entramos nos próprios arcanos celestiais, onde ouvimos as descrições mais santas daquela comunhão espi­ritual que existe entre Cristo e a sua Igreja.

6.      Este Livro é uma alegoria, ilustrando graficamente a natureza desta comunhão espiritual. Com esta forma literária, o escritor emprega figuras ou representações para estabelecer e inculcar verdades de suma importância. A Bíblia contém muitas alegorias, cânticos e poemas, e, como formas literárias, são meios poderosos para memorizar as verdades representadas. Por exemplo, no An­tigo Testamento, Cristo é visto como um “Renovo”, e a Igreja, como uma “árvore plantada junto à corrente de águas”. O Profeta Samuel usou uma alegoria dramática para convencer Davi de seu pecado; e esta o deixou lacerado no coração e arrependido, Is.4:1; Sl.1:3; 2 Sm.12:1-15. O Livro de Cantares é um cântico escrito em linguagem poética, usando palavras pitorescas para intensificar o assunto que está sendo apresentado. Neste poema, Cristo descreve a beleza da sua Igreja, afirmando que ela é “aprazível como Jerusalém, formidável como exército com bandeiras”. E a Igreja, por sua parte, descreve a singularidade de Cristo, dizendo que Ele é “alvo rosado, mais distinguido entre dez mil”. Não é preciso muita explicação para sentir o impacto que estas figuras podem cau­sar sobre as nossas meditações cultuais.

7.      Este Livro é composto de “Quadros pintados com palavras alegóricas”, portanto, ao interpretar cada “quadro”, deve se fazer uma pergunta: O que es­tas palavras estão querendo comunicar? E esta oração é de igual importância: “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei”, ou seja, do Livro, Cântico dos Cânticos. Assim, quando lemos este Livro, que pos­samos contemplar Jesus Cristo como Esposo, Senhor, Cabeça e Salvador de seu povo; bem como a Igreja, a sua esposa, o fruto do seu sofrimento vicário, aquela que é agora, “gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém, santa e sem defeito” Ef.5:27.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

CRISTO E A SUA IGREJA


Leitura Bíblica: Cântico dos Cânticos: 1:1-11

Introdução


As palavras iniciais falam quem é o autor deste Livro. Salomão es­creveu mil e cinco cânticos, 1 Rs.4:32; mas, o Livro canônico das Escrituras Sagradas é o Cântico dos Cânticos, um hebraísmo que denota a sua superioridade absoluta sobre todos os demais; e, se perguntarmos: Por que ele tem esta excelência incomparável? Respondemos, sem medo de equivocar: Por causa da sua men­sagem sobremodo superior, porque fala daquele amor e comunhão espiritual que existe entre Cristo e a sua Igreja. Não existe nenhuma outra mensagem, de va­lor espiritual, que traz tanto consolo ao coração do pobre pecador do que esta: Cristo amou a sua Igreja e a si mesmo se entregou à morte substitutiva, a fim de adquirir para si mesmo um povo exclusivamente seu, Ef.5:2. O Espírito Santo inspirou o seu servo, Salomão, para escrever estas palavras alegóricas, e Ele mesmo nos ajudará na compreensão e na interpretação delas. Pelo estudo deste Livro, percebemos que ele é um raio brilhante de luz celestial, próprio para estimular o amor mais profundo e piedoso no coração daqueles que procuram descobrir uma comunhão espiritual mais intensa e evidente com Cristo Jesus.

Vamos ao texto, a fim de experimentarmos, por nós mesmos, algo “da subli­midade do conhecimento de Jesus Cristo” Fl. 3:8.

1. A Anelação da Igreja, Vs.2-4.


Em cada versículo encontram-se uma ponderação e a razão da mesma.

Em primeiro lugar, no V.2, a Igreja (esposa) se dirige a Cristo (Esposo), manifestando o seu desejo de sentir o calor de seu amor, e sim a própria presença dele em sua vida. “Beija-me com os beijos da tua boca” é o pedido arden­te desta alma sedenta de uma comunhão mais expressiva e palpável. Existem mem­bros formalistas que preferem um culto afastado e sem objetivos específicos, que não pede nenhum envolvimento pessoal; mas este membro é diferente, anseia por um culto mais envolvente e tátil, uma comunhão pessoal, a mais profunda possível. “Beija-me”, nada menos satisfaz o meu coração.

Por que ela está tão ansiosa em seu desejo? Porque melhor é o amor de Cristo do que o vinho! Os vinhos deste mundo podem proporcionar um momento de alento, porém, é apenas um momento, e, passando este instante, o problema volta com renovada intensidade. O único bálsamo que satisfaz de fato é aquela comunhão pessoal com Cristo. Ele mesmo nos convida: “Vinde a mim, todos os que es­tais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Aprendei de mim, e achareis descanso para a vossa alma” Mt.11:28-30. O Ap. Paulo testemunhou do seu anseio de experimentar mais de Cristo, registrando: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, pa­ra conseguir Cristo e ser achado nele” Fl.3:8. O hino que tanto expressa este anseio espiritual é cantado como a nossa oração:

“Mais de Cristo eu quero ouvir, nos seus passos prosseguir,
sempre perto dele andar, seu amor manifestar”. HNC 135.

A Igreja, no V.3, tendo externado o seu desejo de uma comunhão mais ache­gada, e, aguardando uma resposta favorável, passa a meditar sobre as perfeições do nome de Cristo. Ele é visto como ungüento, sim, um ungüento derramado, espalhado para atingir e saciar os anseios espirituais do maior número possível de pessoas. No Salmo 45:17, a Igreja faz esta promessa a Cristo: “O teu nome, eu o farei celebrado de geração em geração, e, assim, os povos te louvarão para todo o sempre”. O termo, nome, na Bíblia, representa a totalidade da pessoa, tudo o que ela é em termos de caráter e de virtudes. Quando o Senhor revelou o sentido do seu nome a Moisés, Ele deu uma lista parcial de seus atributos: “Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado”. É importante ob­servar o efeito desta revelação sobre a pessoa que a ouviu: “E, imediatamente, curvando-se Moisés para a terra, o adorou” Ex.34:5-8. As últimas palavras de Cristo à sua Igreja foram: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” Mc.16:15. Por quê? “Por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe a remissão de pecados” At.10:43. O nome de Cristo é tão elevado, que fica “acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro” Ef.1:21. A Bíblia afirma que “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai” Fl.2:9-11. Este nome de Jesus é tão único que o Ap. Pedro dogmatizou: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” At.4:12. Podemos sentir a missão implícita neste nome de Jesus: “Por­que ele salvará o seu povo dos pecados deles” Mt.1:21. Finalmente, ouvimos o som de muitos anjos proclamando em grande voz: “Digno é o Cordeiro (Jesus Cristo) que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” Ap.5:12.

Qual foi a conclusão dessas deliberações? A proclamação do nome de Jesus Cristo é como ungüento derramado, seu aroma penetra o coração de seus ouvintes efetuando transformações maravilhosas. Em vez de viver descomprometidamente, as “donzelas” agora amam e servem a seu Salvador. O Ap. Paulo usava a figura do ungüento, dizendo: “Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida” 2 Co.2:15-16. Nem todos os que são atingidos pelo aroma do evangelho são salvos, “mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem em seu nome” Jo.1:11-13. Enfim, uma comunhão privilegiada é concedida aos que amam o Senhor Jesus Cristo, Jo.14:21. “Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” 1 Jo.1:3

No V.4, encontra-se um hebraísmo, uma característica da língua hebraica, quando a mesma pessoa, no mesmo contexto, usa, simultaneamente, o pronome sin­gular, “me”, e o plural, “nós”. A mesma voz pede: “Leva-me (singular, a cole­tividade da Igreja) após ti, apressemo-nos” (plural, a Igreja composta de indivíduos que podem assumir compromissos). Encontramos o mesmo hebraísmo em Gênesis: “Também disse Deus (singular): Façamos (plural) o homem à nossa (plural) imagem, Criou Deus (singular), pois, o homem à sua imagem” Gn.1:26-27.

Agora, a Igreja, tendo manifestado o seu desejo de uma comunhão mais ache­gada com Cristo, e tendo meditado sobre as sublimidades de seu nome, sente um certo acanhamento: Como posso me aproximar de Cristo? Sou pecadora e não tenho méritos próprios! Então, auxiliada pelo Espírito Santo, faz, ousadamente, mais um pedido: “Leva-me após ti, apressemo-nos”. Ela sabe que Cristo é o bom Pastor, quando Ele chama as ovelhas pelo nome, elas vêm espontaneamente, Jo.10:27. Por causa da nossa natureza pecaminosa, perdemos a capacidade de nos apro­ximarmos do Senhor, por isso dependemos de um chamado eficaz. A nossa conso­lação está nas palavras de Jesus: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” Jo.6:37. Assim, somos incentivados a invocar o nome do Senhor, porque sabemos que seremos salvos, Rm.10:13. Em nosso texto, a Igreja pediu: “Leva-me após ti, apressemo-nos”, e foi logo atendida, pois o relato afirma: “O rei me introduziu nas suas recâma­ras”. Estes são os lugares privativos do rei e da sua Igreja, o santo dos san­tos, onde se realiza a mais perfeita comunhão espiritual. Neste recinto, en­contram-se o Rei e seus convidados, aqueles que O Amam. O que a Igreja faz nestas recâmaras? Ela se dirige ao seu Senhor com palavras de aprazimento: “Em ti nos regozijaremos e nos alegraremos”. Observemos a ênfase: “Em ti”, na Pessoa de Jesus Cristo. Ele é a razão e o motivo de todo o nosso regozijo. Foi Ele que nos amou e a si mesmo se entregou por nós. A Igreja justifica a sua excla­mação: “Do teu amor, nos lembraremos, mais do que o vinho”. O Ap. Paulo gosta­va de exaltar o amor de Cristo, pois a sua extensão e abundância excedem todo entendimento, Ef.3:19. Em sua Carta aos Romanos, ele faz uma pergunta retórica “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?” E, em seguida, logo afirma: “Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque estou bem certo de que (...) nada poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” Rm.35-39. Por tudo isso a Igreja conclui: “Não é sem razão que te amam”. Qual é a evidência inconfundível do nosso amor para com Cristo? Ele mesmo explica: “Aquele que tem os meus manda­mentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” Jo.14:21. Na vida prá­tica, vivendo no meio dos demais membros da Igreja, qual será o efeito deste amor sobre as nossas atitudes? O amor de Cristo sempre nos constrange a sermos compassivos. “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai-vos; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” Cl.3:13-14.

2. A Angústia da Igreja, Vs.5-6


Temos observado que a Igreja visível é composta de uma multidão mista; virgens prudentes e virgens néscias, joio e trigo, Abéis e Cains. E, como no início, os Cains continuam a perseguir os Abéis. Em nosso texto, as “filhas de Jerusalém” se uniram para angustiar aquelas que amam a Cristo, levantando todo tipo de descrédito contra elas. O que pro­vocou esta reação negativa? Sem dúvida, foi o testemunho daquela parte que desejava uma comunhão mais achegada com Cristo; ela testificava das experiências espirituais dentro das próprias recâmaras do Rei. Ciúmes espirituais tem sido a causa de tantas contendas entre os membros da Igreja visível, inclusive per­seguições que fazem com que o nome de Cristo seja blasfemado entre os de fora. Podemos formular a crítica principal desta forma: Por que você está falando assim? A sua vida não é diferente da nossa, você não tem autoridade de falar de privilégios especiais, pois todos nós somos iguais, afinal, todos podem ver as suas “queimaduras”.

O Ap. Paulo advertia a Igreja, afirmando: “Através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” At.14:22. Por que Deus permite estas provocações entre os membros da Igreja visível? Nas mãos soberanas de Deus, tudo tem seu devido valor, pois, a “tribulação produz perseverança”, ela fortalece nosso caráter espiritual, Rm.5:3-4. O Salmista testemunhou: “Foi me bom eu ter passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” S1.119:71.

Como é que a parte que ama a Cristo com sinceridade se justifica diante de tais insinuações?

a)     Ela se dirige às suas importunadoras, estas “filhas de Jerusalém”, e confessa que ainda não tem alcançado a devida perfeição, porém, logo acrescen­ta que, apesar das manchas visíveis, ela tem uma formosura invisível, que é a evidência inegável de uma obra santificadora e salvadora em sua vida. Duas figuras descrevem esta aparente contradição: ela é morena como as tendas de Quedar, que são os abrigos dos nômades do deserto, que ficam escuras e enruga­das por causa das intempéries daquele clima causticante; porém, olhando para dentro, muitas delas revelam uma riqueza de formosura, tal como as opulentas cortinas de Salomão. Ela está descrevendo uma realidade, um conflito espiritu­al que é a experiência de cada cristão sincero e fiel a Cristo. “Porque a car­ne milita contra o Espírito, e o Espírito contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer” Gl.5:17 O Ap. Paulo, descrevendo a sua própria experiência, confessou: “Então, ao que­rer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocan­te ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros”. Contudo, após lamentar a existência desta incoerência espiritual, ele exclama, jubilosamente, “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” Rm.7:21-25. Alcançamos vitórias notáveis sobre os assédios da carne quando mantemos uma constante comunhão espiritual com o nosso Amado, Jesus Cristo.

b)     Ela continua falando com as filhas de Jerusalém, explicando-lhes as causas principais de suas queimaduras:

         I.            “O sol me queimou”. As queimaduras foram infligidas por forças externas e não por atos de desobediência propositada. Alguns sacerdotes do Antigo Tes­tamento, por causa de sua instrução errônea, foram responsáveis pelo atropela­mento de muitos, Mt.2:7-8. O Ap. Paulo advertiu a Igreja em Éfeso: “Eu sei que depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas per­vertidas para arrastar os discípulos atrás deles”. E qual é o segredo para não tropeçar? Vigilância! At.20:29-31. Como? “Examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas são, de fato assim” At.17:11. Não convém subestimar o poder destas influências externas, “porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos (...) Por isso, ficai também apercebidos; porque a hora em que não cuidais (...)”. Crentes sinceros podem ficar queimados, Mt.24:24,44.

       II.            “Os filhos da minha mãe se indignaram contra mim”. A Igreja visível é a mãe de uma multidão mista, filhos da promessa e regenerados pelo poder do Espírito Santo; e, filhos da carne, que não são regenerados. Estes “filhos” re­presentam certos oficiais que usurparam lugares de administração na Igreja. Eles servem os seus próprios interesses, e o crente que questiona a sua autoridade há de sofrer conseqüências humilhantes. O Ap. Paulo insistia na suficiência de Cristo e este crucificado para que a vida eterna pudesse ser concedida aos pecadores arrependidos, sem qualquer necessidade de atos humanos, tais como a circuncisão ou batismo por imersão. Mas esta falsa liderança decretava: “Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos” At.15:1. O Apóstolo, por não se submeter a esta exigência herética, passou a ser um homem perseguido, sem qualquer ato de consideração, Gl.5:11. Estes usurpadores não somente mataram o Senhor Jesus e os profetas, mas continuam a incomodar aqueles crentes que procuram ser fiéis a Jesus Cristo, 1Ts.2:15. A triste verdade é: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” 2 Tm.3:12.

      III.            “Me puseram por guarda de vinhas”. Ela foi expulsa da sua comunidade e obrigada a viver no meio dos condenados, a fim de cuidar dos interesses de outros. Por causa da Palavra e do Testemunho de Jesus, muitos dos servos mais fiéis têm sido considerados como “cisco e refugo, lixo do mundo, escória de todos” e desprezados por aqueles que deviam ser seus irmãos, Lm.3:45; 1 Co. 4:13; Ap.1:9. A perseguição não é apenas verbal, mas também, física. No Siné­drio, o Supremo Concílio da Igreja do Antigo Testamento, Estevão desafiou os seus juízes: “Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram os vossos pais, também vós o fazeis, qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do Justo, do qual vós agora vos tor­nastes traidores e assassinos, vós que recebestes a lei por ministério de an­jos e não a guardastes” At.7:51-53. Infelizmente, dentro da Igreja visível, encontram-se os “falsos irmãos”, que honram a Cristo com seus lábios, porém, através de suas doutrinas perniciosas, desprezam a sua Pessoa e a sua Obra expiatória. São inimigos do evangelho, Mt.15:8-9; Rm.11:28. Enfim, a história da Igreja é um registro de conflitos religiosos entre os seus membros. “Como, porém, outrora, o que nasceu da carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora” Gl.4:29. Contudo, para não deixar o seu povo desani­mado, Cristo lhes assegurou: “Bem aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal con­tra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” Mt.5:10-12.

   IV.            “A minha vinha, porém, que me pertence, não a guardei”. A servidão im­posta sobre a Igreja era tão grande, que não conseguia cuidar devidamente da sua própria vida espiritual. Longas horas de serviço pesado e o resultante cansaço dificultam um tempo proveitoso em culto individual com Deus. Além disso, ela foi privada do uso dos meios da graça: A exposição pública das Escri­turas Sagradas, a oração coletiva, os Sacramentos, e a comunhão espiritual com outros irmãos na fé. Quando Davi estava sendo perseguido pelo rei Saul, ele reclamou: Os homens “me expulsaram hoje, para que eu não tenha parte na herança do Senhor (parte nos cultos públicos), como que dizendo: Vai, serve outros deuses” 1 Sm.26:19. Como podemos enfrentar estas circunstâncias conflitantes? A resposta é uma só, devemos clamar ao Senhor, pedindo que Ele nos mostre o caminho certo. Davi, quando perseguido, não desfaleceu, ao contrário, se for­taleceu, afirmando: “Em me vindo o temor, hei de confiar em ti. Em Deus, cuja palavra eu exalto, neste Deus ponho a minha esperança e nada temerei” Sl.56:3-4.

3. A Anuência da Igreja, V.7.


Depois de expor as razões das suas queimadu­ras às filhas de Jerusalém, ela agora se dirige a Cristo, o Amado de sua alma, pois está resolvida a saber como pode melhorar a sua espiritualidade.

a)     Observemos o título que Cristo recebeu: “Ó Amado de minha alma”. A Igreja está confessando que Cristo é o único que tem lugar em seu coração. Por que fala com tanta singularidade? Porque sabe que o amor que ela agora sente no coração para com Cristo não vem de qualquer mérito latente na vida dela. Ela ama, porque o amor de Deus atingiu a sua alma em primeiro lugar. “Nisto con­siste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados”, uma ação que garan­tiu o perdão dos pecados de seu povo, 1 Jo.4:10. O Ap. João afirma que a presença deste amor na vida dos membros da Igreja os faz amar uns aos outros, e tal amor é a prova de que são nascidos de Deus, 1 Jo.4:7. O amor de Cristo para conosco é tão especial que excede todo entendimento (Ef.3:19), por isso, a Igreja se dirige a Ele, dizendo:“Ó Amado de minha alma”. Como é prazeroso levantar o nosso coração e cantar o que sentimos!
“Quão doce fala ao coração do pobre pecador
O nome que lhe traz perdão: Jesus o Redentor” HNC.168.

b)     A informação que ela está buscando: “Dize-me (...) onde apascentas o teu rebanho, onde o fazes repousar pelo meio-dia?” Ela faz esta pergunta porque sabe que Cristo não é apenas o Bom Pastor, Ele é o Supremo Pastor, que exerce domí­nio absoluto sobre o seu rebanho. Ele conhece as suas ovelhas, nome por nome, e sabe quais as necessidades específicas de cada uma. A Igreja ouve a sua voz e O segue, porque Ele a faz repousar em pastos verdejantes e beber das águas cristalinas de descanso. Ele refrigera a alma cansada daquelas que passam por tribulações, guiando-as nas veredas seguras da justiça. Enfim, Cristo acalma completamente os anseios de seu povo. Muitos ficam longe de Cristo porque não querem se submeter à sua direção, por isso, Jesus perguntou se seus discípulos também queriam se afastar dele, mas Pedro logo respondeu: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus” Jo.6:68-69; 1 Pe.5:4. Quando Cristo é, de fato, o Amado da nossa alma, o desejo mais ardente do nosso ser é ficar mais perto dele e permanecer nele, 1 Jo.15:10. Novamente, é tão edificante cantar o de­sejo do nosso coração:

“Quero o Salvador comigo, ao seu lado sempre andar.
Quero tê-lo muito perto, no seu braço descansar” HNC.109

c) O motivo desta súplica. “Para que não ande eu vagando junto ao rebanho dos teus companheiros”. Estes “companheiros” são os falsos cristos que usur­param este título a fim de confundir os desprevenidos. Infelizmente, existem rebanhos paralelos que usam o nome de cristãos ou de evangélicos, mas não o são. O Ap. Paulo chamou estes grupos de “inimigos da cruz de Cristo” Fl.3:18. Esse mesmo Apóstolo advertiu a Igreja em Éfeso, não apenas acerca “dos lobos vorazes que não pouparão o rebanho”, mas, também, dentro da própria Congregação “se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás de­les” At.20:29-30. Estes grupos paralelos praticam um programa intenso de proselitismo. E, para aumentar seus números, usam todo tipo de “sinais e prodí­gios para enganar, se possível, os próprios eleitos” Mt.24:24. Por causa de certas semelhanças (eles citam as Escrituras Sagradas), há um grande perigo de ser enlaçado por eles. Sim, temos que vigiar, e, para isso, clamamos a Cristo: “Desvia os meus olhos, para que não vejam a vaidade, e vivifica-me no teu caminho” Sl.119:37. É fácil discernir o que é bom e agradável, porém, para re­conhecer o mal e os perigos espirituais, as nossas faculdades têm que ser aguçadas através de um verdadeiro apego à leitura e à prática das Escrituras. A segurança do verdadeiro Cristão está no fato de que ele está na poderosa mão de Cristo, e, deste lugar de refúgio, ninguém o pode arrebatar, Jo.10:27-28.

4. A Animação da Igreja, Vs.8-11


Cristo anima a sua Igreja, enaltecendo a sua verdadeira beleza. Observemos o contraste que o texto destaca. A Igreja lamenta, confessando: “Estou morena”, maculada pelo “pecado que tenazmente” me assedia, Hb.12:1. Mas Cristo a corrige, afirmando que ela é a “mais formosa entre as mulheres”. Ela é “gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” Ef.5:27. Através destas palavras animadoras, percebemos que a vontade de Cristo é que a sua Igreja tenha certeza absoluta da veracidade de seu amor para com ela. Se perguntarmos: Como posso ter certeza de que Cristo me ama? Ele mesmo responde: “Eu sou o Bom Pastor. O bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas (...) Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor de seus amigos” Jo.10:11; 15:13. De fato, Cristo é “aquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos peca­dos” Ap.1:5. Podemos sentir como o Ap. Paulo ficou maravilhado ao contemplar a morte substitutiva de Cristo. “Ele me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. O amor de Cristo para conosco é um “amor eterno”. A Bíblia contem este registro: “Jesus (...) tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” Jo.13:1; Jr.31:3. Que este amor de Cristo, que tanto nos atrai, seja o consolo que nos faz cantar com renovada convicção:

“Cristo me salvou e me transformou!
Por sua morte sobre a cruz nos deu vida eterna e luz” HNC.149

No V.8, Cristo responde a pergunta que a sua Igreja lhe fez, dando-lhe a orientação solicitada, e acrescentando uma exortação:

a)     A orientação que ela recebeu: “Se tu não sabes (...) sai-te pelas pisadas dos rebanhos”. Estes “rebanhos” são diferentes daqueles “rebanhos parale­los” que seguem os falsos cristos. Os muitos rebanhos de Cristo são compostos daquelas ovelhas que são “nascidas do Espírito”. Estas conhecem a sua voz e O seguem, Jo.3:8; 10:27. Por serem verdadeiras seguidoras do “Supremo Pastor”, elas deixam “pisadas” claras e inconfundíveis para a segurança espiritual das gerações vindouras. O nosso dever é descobrir, pelo estudo atencioso das Es­crituras Sagradas, quais são os caminhos revelados pelo próprio Deus. Convém lembrar e acreditar que não haverá novas revelações; não haverá sonhos para direcionar o nosso caminhar; e que Deus não enviará nenhuma pessoa especial para comunicar uma mensagem da parte dele para resolver os nossos problemas. As Escrituras Sagradas são a revelação suficiente e final; nelas, as “pisadas” que de­vemos seguir podem ser facilmente encontradas. “Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para a vossa alma” Jr.6:16. É im­portante observar a presença de uma orientação de sumo valor no início desse texto. Nem sempre convém andar sozinho em busca de norteamento espiritual; é melhor estar no meio do povo de Deus e participar da exposição das Escrituras Sagradas em culto público; observando o efeito da Palavra de Deus sobre a vida dos ouvintes; e, no caso de dúvidas, fazendo perguntas, contudo, sempre compa­rando as respostas com o claro ensino da Bíblia, At.17:11. Essas “veredas an­tigas” nos mostram o “bom caminho”, e, quando andamos nelas, acharemos “descanso” para a nossa alma.

b)     A exortação acrescentada. “E apascenta os teus cabritos às tendas dos pastores”. Para cuidar de seus muitos rebanhos, Cristo, o Sumo-Pastor, tem designado seus sub-pastores para pastorear o seu povo, “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Fi­lho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que conduzem ao erro” Ef.4:12-14. Cada ovelha tem seus “cabritos”, ou seja, seus familiares e conhecidos. Como conhecedores da verdade, é nosso dever levar a todos quanto possível “junto às tendas dos pastores”, para que possam se beneficiar de seus cuidados. Convém lembrar que “a fé vem pela pre­gação, e a pregação, pela palavra de Cristo” Rm.10:17. A exortação bíblica é: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admo­estações e tanto mais quanto vedes que o Dia (da Segunda Vinda de Cristo e o Juízo Final) se aproxima” Hb.10:25. O testemunho da Igreja de Cristo se torna convincente quando todos os seus membros estão reunidos, demonstrando prazer por estarem no meio do rebanho. O Salmista declarou: “Olha, ó Deus, escudo nosso, e contempla o rosto do teu ungido. Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade” Sl.84:9-10. Que muitos possam admitir: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor” Sl.122:1.

Depois de responder a pergunta da sua Igreja, Cristo volta a contemplar e magnificar as perfeições de seu povo redimido.

a)     Ele destaca a beleza de seu poder, V.9. A figura de cavalos atrelados aos carros era o símbolo da beleza e do poder, Dt.20:1; 1 Rs.4:26. Com esta compa­ração, Cristo está encorajando a sua Igreja a acreditar na presença e na suficiência desse poder que lhe foi concedido. Quando o Ap. Paulo pediu que certo espinho fosse retirado dele, o Senhor não o atendeu, porém, para fortalecer a sua paciência, ele recebeu esta palavra: “A minha graça te basta, porque o po­der se aperfeiçoa na fraqueza”. E o Apóstolo logo respondeu: “De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim re­pouse o poder de Cristo” 2 Co.12:8-9. O mesmo Apóstolo encorajou o jovem Timó­teo, dizendo: “Porque Deus não nos tem dado Espírito de covardia (fugindo de compromissos), mas de poder (para aceitar desafios), de amor e de moderação” 2 Tm.1:7. Cristo sente grande prazer em contemplar a suficiência de seu poder que opera na vida de sua Igreja, porque, apesar das repetidas tentações e do incômodo de tão numerosas circunstâncias adversas, ela não desfalece, antes, é mais que vencedora, Rm.8:37. “Porque assim diz o Senhor Deus, o Santo de Isra­el: Em vos converterdes e em sossegardes, está a vossa salvação; na tranqüilidade e na confiança, a vossa força” Is.30:15.

b)     Ele destaca a beleza de sua aparência, V.10. A Igreja tinha reclamado: “Eu estou morena”, os meus defeitos são patentes diante de todos. Mas Cristo não vê o seu povo redimido dessa forma, antes, Ele afirma: “Formosas são as tuas faces”. No Livro de Ezequiel, vemos um quadro do homem natural: sujo, desamparado e sem recursos próprios para mudar a sua condição. Porém, Deus, em sua amável misericórdia, interveio sobrenaturalmente e efetuou nele uma verda­deira limpeza e transformação. Foi lavado, ungido e vestido com roupas luxuos­as. A sua aparência ficou tão diferente que recebeu este comentário: “Correu a tua fama entre as nações, por causa da tua formosura, pois era perfeita, por causa da minha glória que eu pusera em ti, diz o Senhor Deus” Ez.10:1-14. É desta maneira que Cristo nos vê. Temos essa “formosura” porque “a glória de Deus foi restabelecida em nós", e “a imagem de Deus” tornou-se novamente visível em todo o nosso procedimento, Cl.3:9-11. O Ap. Paulo afirmou: “E, assim, se alguém está em Cristo (em plena comunhão com Ele), é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” 2 Co.5:17. Às vezes, a Igreja passa por crises espirituais que tendem a provocar a negligência do devido uso dos meios da graça, a saber: a leitura diária das Escrituras, a oração, a freqüência assídua aos cultos públicos e uma vida santa e irrepreensível. Um dos resultados desse descuido é confiar na própria formosura: afinal, estou perfeita em Cristo, não preciso me preocupar tanto, posso descansar um pouco e desfrutar de alguma diversão. Todavia, esta autoconfiança sempre conduz à lascívia e a outros pecados condenáveis, Ez.16:15. É muito importante entender uma realidade espiritual: “A carne milita contra o Espírito”, ela procura romper a nossa união com Cristo. Por isso, é necessário conhecer o caminho da vitória: “Andai no Espírito (obedecendo ao que Ele nos ensina nas Escrituras Sagradas) e jamais satisfareis à concupiscência da carne” Gl.5:16-17. Outra verdade, de semelhante importância, que nos ajuda a andar de modo circunspec­to é o Juízo Final. A Bíblia ensina: “Porque importa que todos nós compareça­mos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” 2 Co.5:10. Portanto, esforcemo-nos pa­ra que a formosura da obra de Cristo em nós seja cada vez mais visível. O grande objetivo de Cristo é “apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” Ef.5:27. Cristo disse: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” Jo.14:15.


“Eu confio em ti, Senhor, meu viver vem transformar:
Quero, pois, com gratidão minha vida consagrar: HNC.84.

c)      Ele destaca a beleza de seus dons, V.11. Cristo não apenas transformou a aparência de seu povo, mas, também, outorgou-lhe todos os dons necessários para que pudesse servi-lo de modo santo, agradável e aceitável. Observemos novamente o uso do hebraísmo. A mesma Pessoa, Jesus Cristo, falando: “Eu te comparo (...) nós te faremos”. Esta é uma clara alusão à triunidade de Deus. Quando Ele criou o homem à sua imagem, o mesmo hebraísmo foi usado: “façamos o ho­mem à nossa imagem” Gn.1:26. Agora, querendo recriar esta imagem na vida de seu povo, as três Pessoas da Santíssima Trindade têm participação. Deus, em toda a sua gloriosa transcendentalidade, está agindo na vida do homem, renovando a sua imagem nele. Quanto à Trindade, Deus o Pai, e Deus o Filho, e Deus o Espírito Santo, descobrimos a sua unidade indivisível no plano da salvação do ho­mem pecador: Deus o Pai abençoa o eleito com toda sorte de bênção nas regiões celestiais, porém, estas dádivas não vêm diretamente, porque o Pai sempre age pela mediação do Filho, Jesus Cristo. O homem recebe esses bens em virtude da sua união vital com Cristo. Deus o Pai nos predestinou para Ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo; nele temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça. Essas bênçãos são aplicadas ao homem e feitas eficazes pela atuação do Espírito Santo. Ele é o Pe­nhor da nossa herança, Ef.1:3-14; 1 Jo.4:13. Através da sua habitação na vida dos redimidos, eles manifestam o fruto do Espírito, que é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio, Gl.5:22-23. E, pelo mesmo Espírito, somos fortalecidos para mortificar os fei­tos pecaminosos do corpo, Rm.8:13. Não devemos nos preocupar demasiadamente com os bens deste mundo, pois o reino de Deus, ao qual pertencemos, “não é co­mida nem bebida, mas justiça e paz, e alegria no Espírito Santo” Rm.14:17. Através do resplendor destas dádivas, seremos vistos como uma Igreja perfeita­mente habilitada para servir na prática de toda boa obra, 2 Tm.3:16-17.


 Ponderações finais

O que podemos concluir desses primeiros versículos?

a)     Feliz a Igreja que anseia ardentemente por uma comunhão espiritual mais achegada com Cristo, porque, com toda certeza, será saciada.

b)     Não devemos estranhar quando certos membros da Igreja visível se levan­tam para se oporem ao nosso zelo pelos valores espirituais. Esse tipo de oposição sempre existiu. Cristo nos advertiu: “Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa” Jo.15:20. E, ao terminar esse discurso, Ele novamente avisou o seu povo: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” Jo.16:33

c)      Sempre sentiremos o peso das nossas imperfeições, por isso, clamamos a Cristo, pedindo que sejamos desviados das armadilhas dos falsos mestres e direcionados a reconhecer e a andar nas pisadas daqueles que nos precederam, seguindo a verdade com conhecida fidelidade.

d)     Cristo ama a sua Igreja porque Ele a redimiu pelo preço de seu próprio sangue. Agora, o seu maior prazer consiste em pastorear o seu povo e contem­plar a eficácia da sua graça atuando neles. Portanto, vivamos “de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra e crescen­do no pleno conhecimento de Deus” Cl.1:10.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A NATUREZA DA COMUNHÃO COM CRISTO


Leitura Bíblica: Cântico dos Cânticos 1:12-17


Introdução


O nosso assunto é: “A Natureza da Comunhão com Cristo”, portanto, é oportuno definir com maior justeza o sentido do termo: “Comunhão”. O Ap. João confessava: “Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” 1 Jo.1:3. Logo, a idéia central fala de um relacionamento e de uma união participativa com alguém. Cristo disse: “Eu sou a videira, vós, os ra­mos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim (sem esta união vital) nada podeis fazer” Jo.15:5. Percebemos a natureza desta comunhão por causa da interação entre Cristo e o seu povo. Ele “amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela”. E, de modo semelhante, a Igreja ama o seu Senhor, e a si mesma se entrega a Ele para lhe ser submissa em todas as coisas, conforme o claro ensino das Escrituras Sagradas, Ef.5:22-25. Na Ceia do Senhor, temos outro exemplo desta comunhão espiritual: a Igreja reunida, a fim de lembrar-se de Cristo e de seu sacrifício vicário. “Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?” 1 Co.10:17. Esta comunhão com Cristo tem um efeito transformador e santificador sobre a vida da Igreja, por­que, até certo ponto, o que Cristo experimentou, o seu povo também experimen­ta. Observemos o repetido uso da preposição “com”, para descrever a natureza desta comunhão participativa. Somos co-herdeiros com Cristo e seremos glorifi­cados com Ele, Rm.8:17. O nosso velho homem foi crucificado com Cristo a fim de destruir o domínio do pecado sobre a nossa vida, morremos com Ele, e ressuscitamos com Ele a fim de andarmos em novidade de vida com Ele, Rm.6:1-9. A essência desta comunhão espiritual no Livro do Cântico dos Cânticos é um diálogo através do qual a Igreja declara o seu amor e dedicação a Cristo, e Ele responde com palavras de encorajamento que comunicam a intensidade do seu amor e aprazimento para com o seu povo. A Igreja contempla a Pessoa de Cristo e confessa: “Ó Amado de minha alma!” E Ele logo responde: “Eis que és formosa, ó querida minha, eis que és formosa”.

1. A Devoção da Igreja, Vs.12-14


Aqui, a Igreja está contemplando o seu Soberano, buscando palavras para exprimir o que sente nessa hora de reflexão espiritual. O exercício do silêncio, isto é, quando deixamos de nos preocupar com assuntos seculares e dedicamos um tempo específico para meditar sobre a Pessoa de Jesus Cristo, é muito necessário para alcançarmos uma comunhão espi­ritual mais repleta de sentido.

a)     Os títulos atribuídos a Cristo. Quando nos dirigimos a alguém, confes­sando os seus títulos, a nossa atitude deve ser muito mais do que uma mera formalidade, antes, deve refletir uma verdadeira admiração e reverência à pes­soa contemplada. Neste memento, Cristo é intitulado:

         I.            Como “Rei”. A Igreja reconhece um único Soberano, Jesus Cristo. Ele é o Rei Eterno sobre o seu povo. Nesta confissão está implícita uma rendição incondicional. Quando Natanael descobriu a divindade de Cristo, ele imediatamente exclamou: “Mestre, tu és o Filho de Deus, tu é o Rei de Israel” Jo.1:49. No Salmo 24, Cristo é visto como Rei da Glória, o Rei forte e poderoso nas bata­lhas, porque Ele triunfou poderosamente sobre todas as potestades das trevas quando morreu vicariamente sobre a cruz do Calvário, Cl.2:15. Qual deve ser o efeito destas verdades sobre a nossa vida? Que a resposta do Salmista seja a nossa: “Ao Rei consagro o que compus” Sl.45:1. A totalidade dos nossos afaze­res deve ser consagrada ao Rei, como uma oferenda de gratidão por tudo o que recebemos das mãos dele.

       II.            Como “meu Amado”. Está intrínseco nesta designação um amor singular. Nós amamos a Cristo porque Ele nos amou primeiro. Por que fomos cativados por Cristo? Acreditamos no seu amor para conosco, porque, sendo nós ainda pecadores, Ele deu a sua própria vida em resgate por muitos, a fim de nos salvar da condenação que os nossos pecados mereciam. O Salmista fez uma exclamação retórica diante do Senhor: “Quem mais tenho eu no céu?” E logo em seguida, respon­de a sua própria pergunta: “Não há outro em quem eu me comprazo na terra”. E, em outro lugar, reafirma: “Digo ao Senhor: Tu és o meu Senhor; outro bem não possuo, senão a ti somente” Sl.73:5; 16:2.
b)     O lugar onde se encontra. “O Rei está assentado à sua mesa”. É aqui que a Igreja desfruta da presença de Cristo. A mesa de um rei sempre representa uma abundância de privilégios especiais, porém, é um lugar onde as restrições imperam, pois somente convidados podem experimentar esta comunhão imediata com o monarca. No Antigo Testamento, a figura da mesa também ilustra o que Deus providencia para o seu povo em termos de necessidades. Quando o Salmista confessou a bondade de Deus, ele disse: “Preparas-me uma mesa na presença de meus adversários”, certamente estava testificando das providências divinas pa­ra desarmar, vitoriosamente, as armadilhas de seus inimigos, Sl.23:5. No Novo Testamento, reconhecemos a realidade desta mesa que Ele mesmo preparou e na qual oferece a seus convidados toda sorte de bênçãos espirituais, tais como: Eleição, o privilégio de sermos incluídos em seus propósitos salvadores; Adoção de filhos, quando nos tornamos membros da família celestial; Redenção, libertação das conseqüências judiciais do pecado, pois o resgate foi pago com o sangue do próprio Filho de Deus; Remissão dos pecados, porque o sangue de Jesus nos purifica de todo o pecado; o Dom do Espírito Santo, que é o selo e a garantia do nosso recebimento da parte de Deus, e cujo ministério é consolar e fortalecer o seu povo em todas as suas tribulações, Ef.1:3-14. Uma das promessas mais su­gestivas que Cristo deu a seus discípulos é: “E eu vos destino o reino (...) para que comeis e bebeis à minha mesa no meu reino” Lc.22:29-30. Uma clara referên­cia à fartura dos privilégios especiais que os salvos terão no céu, ao lado de seu Salvador. Esta é uma das muitas recompensas que desfrutaremos por termos permanecidos fiéis durante a nossa jornada neste mundo. Na Ceia do Senhor, somos motivados a relembrar estas sublimidades do sacrifício vicário de Jesus Cristo, nosso Redentor e Salvador.

c)      O efeito deste encontro. “O meu nardo exala o seu perfume”. Na presença de Cristo, assentados com Ele nos lugares celestiais (Ef.2:6), o nosso “nardo exala o seu perfume”, isto é, todas as bênçãos espirituais que transformaram a nossa vida se tornam cada vez mais evidentes diante de todos os nossos conhecidos. “Porque nós somos para com Deus, o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem”. Devemos nos esforçar, com toda diligência, para que o nosso procedimento exale um “aroma de vida para vida” 2 Co.2:15-16.

d)     A intensidade desta devoção. Nos versículos 13 e 14, a Igreja usa duas figuras, com o mesmo sentido básico, para descrever as suas impressões da per­feição de Cristo, enquanto está assentada com Ele à sua mesa. “O meu Amado é para mim um saquitel (um saco grande) de mirra (...) um racimo (uma braçada enor­me, não apenas um só ramo) de flores de hena”. Mirra e flores de hena eram in­gredientes utilizados para produzir perfumes que acompanhavam aspectos do cul­to no Templo em Jerusalém, portanto, simbolizando a perícia da obra redentora de Cristo que faz o nosso culto aceitável diante de Deus. Aqui, a Igreja está contemplando a perfeição e a suficiência do sacrifício substitutivo de seu Amado. Esta verdade, Cristo e este crucificado, por ser tão preciosa, foi co­locada “entre os seus seios”, isto é, dentro do coração, como um tesouro de valor inestimável. A frase: “O meu Amado é para mim”, pede uma qualificação, assim, quando alguém nos pede a razão deste amor que há em nós, estamos preparados para explicar: porque Cristo já foi colocado dentro do nosso coração, como Senhor e o mais Amado, 1 Pe.3:15. Não é apenas a Igreja que fica tão ma­ravilhada com a suficiência do sacrifício substitutivo de Cristo, mas, também, os muitos anjos ao redor do trono celestial são constrangidos a proclamar em grande voz: “Digno é o Cordeiro que foi morto para receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra; e glória, e louvor” Ap.5:12. Foi João Batista que proclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” Jo.1:29.

2. O Deleitamento de Cristo, Vs.15


Neste versículo, Cristo está declarando o seu amor e como Ele se sente depois de ouvir as palavras aprazíveis da sua Igreja. Ela tinha entesourado em seu coração as verdades consoladoras de Cristo e este crucificado. Quando a Santa Ceia foi instituída, Jesus acrescentou: “Fa­zei isto em memória de mim” Lc.22:19. A sua vontade é que nós nos lembremos de que fomos adquiridos por preço altíssimo. Esta lembrança do amor sacrifical de Je­sus Cristo é uma fonte de forças vitoriosas na hora da tribulação. Os perseguidos no Livro do Apocalipse “venceram por causa do sangue do Cordeiro”, porque este sangue representa a prova do amor de Jesus para conosco.  Cristo começa a sua declaração de amor usando o advérbio “eis”. Esta palavra se constitui em exortação para ouvir e considerar com máxima atenção as palavras que se seguem. Veja como Cristo avalia a sua Igreja.

a)     A formosura da Igreja. Para ter um conceito melhor desta avaliação, Cristo usa um hebraísmo, repetindo duas vezes a mesma frase a fim de intensi­ficar o que está afirmando: “Eis que és formosa, ó querida minha, eis que és formosa”. Não convém ficar demasiadamente introvertido, relembrando as quei­maduras, devemos elevar as nossas meditações para além de nós mesmos e ouvir o que Cristo diz a nosso respeito. Ele não nos vê disformes pelo pecado, antes, por causa da nossa regeneração e por causa do perdão dos nossos pecados, temos um aspecto bem diferente, fomos lavados, santificados e justificados, 1 Co.6:11. Se Cristo nos visse ainda em nossos pecados, Ele estaria negando a suficiência da sua morte para transformar a nossa vida. Mas a sua morte é supernamente efi­caz, por isso, declara enfaticamente: “Eis que és formosa”. A Igreja precisa aprender a contemplar a si mesma através dos olhos de seu Redentor. Fazendo assim, ela pode agradecer e confessar: “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã”, ela efetuou a atual formosura, 1 Co.15:10.

b)     A singularidade da Igreja. O deleitamento de Cristo é percebido através das palavras que Ele escolhe quando se dirige à Igreja. “Ó minha querida”. Não devemos questionar e nem duvidar da singularidade do amor de Cristo para com a sua Igreja. O Ap. Paulo sentia uma confiança intensa podendo confessar: “Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela” Ef.5:25. Observe como o Apóstolo, em dados momentos, deixa o geral: “Cristo amou a Igreja”, a fim de chegar ao particular: “Vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” Gl.2:20. E a prova reiterada de seu amor para conosco é sua morte substitutiva: “Ele a si mesmo se entregou por mim”. O amor pode ser demonstrado de modo geral, e não duvidamos desta verdade preciosa; contudo, em momentos de tribulação, quando a presença de Deus não tão palpável, che­gamos a perguntar: Acaso Cristo me ama? Se me amasse, por que Ele está me dei­xando sofrer tanto? Embora não tenhamos respostas para tudo, devemos nos lembrar desta verdade: “Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé e não pelo que ve­mos” 2 Co. 5:6-7. E, por esta fé, declaramos, confiadamente: “Porque sei em que tenho crido e estou certo de que Ele é poderoso para guardar o meu depósito (a minha alma que confiei aos cuidados dele) até aquele Dia (Dia da Segunda Vinda de Cristo e do Juízo Final)” 2 Tm.1:12. Muitos gostam de usar a coletividade quando confessam a fé: “Nós cremos em Cristo”, porém, embora seja  verdade em termos gerais, nem sempre expressa a realidade individual. Salvação e comunhão espiritual com Cristo são experiências particulares. Feliz a pessoa que pode testemunhar: “Eu sou do meu Amado, e o meu Amado meu” Ct.6:3.  Gabriel reconheceu a individualidade do amor quando disse a Daniel: “E eu vim, para te declarar, porque és mui amado” Dn.9:23. Cada um de nós, individualmente, temos que desenvolver a nossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” Fl 2:12-13.

c)      A mansidão da Igreja. Cristo disse à sua Igreja: “Os teus olhos são como os das pombas”. Muitas vezes, os olhos são figuras que descrevem o caráter in­terior de uma pessoa: a sua imoralidade, “os olhos cheios de adultério” 2 Pe.2:14; a sua inteligência, “os olhos do vosso coração” Ef.1:17-18; o seu orgulho, “os olhos dos altivos” Is.5:15. E os olhos como os das pombas indicam a mansidão que caracteriza os crentes verdadeiros em Cristo Jesus. Mansidão é apenas uma das partes do fruto do Espírito Santo. Cristo destaca este aspecto porque a Igreja, quando ultrajada, não revida com ultraje, 1 Pe.2:23; ela não paga a ninguém mal por mal, antes, se esforça para fazer o bem perante todos os homens e, quando injustiçada, não procura vingar-se a si mesma, preferindo entregar tudo àquele que julga retamente, porque está escrito: “A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor” Rm.12:17-19. Cristo sente grande prazer quando contempla os olhos do seu povo, porque eles são como as janelas do coração, onde se vê todas as graças que adornam a vida de cada um de seus redimidos. Além da mansidão, muitos crentes são reconhecidos por terem outros destaques que exaltam o nome de Cristo: Abraão foi reconhecido por sua fé inabalável, Rm.4:19-21; Jó, por sua paciência no meio da tribulação, Tg.5:11; Davi, o mavioso salmista de Israel, 2 Sm.23.1; Apolo, homem eloqüente e poderoso nas Escrituras, At.18:24; e, o Ap. João, o discípulo amado, Jo.19:26. Se Jesus olhasse dentro dos nossos olhos, qual seria o seu comentário? E quando deixarmos este mundo, por qual característica seremos lembrados? Cristo usou uma frase muito sugestiva quando mandou os seus discípulos numa missão evangelística, enviando-os para um mundo onde os lobos vorazes habitam: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas”, tendo uma vida transparente que revela a presença de uma orientação superior, Mt.10:16.


3. A Dedicação da Igreja, Vs.16-17


Chegamos aos últimos versículos deste primeiro capítulo, nos quais a Igreja testifica da formosura de Cristo e do prazer de ter comunhão com Ele. No versículo anterior, Cristo revelou o seu amor para com o seu povo e como se alegra em descobrir o fruto do Espírito na vida deles. Agora, é a vez de a Igreja confessar o seu amor e a sua dedicação a Cristo. Um dos primeiros deveres da Igreja é amar o seu Senhor de todo o coração. O Ap. Paulo fez uma veemente advertência aos Coríntios: “Se alguém não ama o Senhor Jesus Cristo, seja anátema” (que seja amaldiçoado e visto como uma pessoa detestável), 1 Co.16:22. Muitos cristãos têm o nome de Cristo nos lábios, contudo, não tem um amor verdadeiro em seu coração. O verdadeiro amor sempre se manifesta através da obediência. Cristo sentenciou: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” Jo.14:15. Fomos criados com uma capacidade inata para amar, portanto, devemos direcionar esta habilidade àquilo que agra­da a Deus. Depois da queda infeliz do Ap. Pedro, Cristo não exigiu dele nenhu­ma explicação, antes, limitou-se a fazer a única pergunta que tem uma importância eterna: “Simão, filho de João, tu me amas?” Apesar da sua triste falta, Pedro, profundamente arrependido, respondeu com uma voz trêmula: “Senhor, tu sa­bes todas as coisas, tu sabes que eu te amo” Jo.21:15-17. E a Igreja continua, com a mesma voz hesitante, porém, sincera, reafirmando o seu amor e dedicação ao seu Amado.

a)     Os nomes que a Igreja escolheu. Notemos a intimidade das três palavras que ela usou para descrever a natureza da Pessoa de Cristo, bem como as três palavras sugestivas para descrever a convivência desta comunhão espiritual com Cristo.

I.            “Como és formoso”. Cristo acabou de elogiar a sua Igreja, dizendo: “Eis que és formosa”. Mas, como um ato de dedicação, ela devolve este elogio ao seu Amado, como se estivesse dizendo: Eu não sou digna de ser chamada de formosa, pois sou morena; mas tu, tu és o único que és verdadeiramente digno de receber este título. A Bíblia nos oferece outro exemplo deste tipo de devolução. A Igreja de ambos os Testamentos, representada pelos vinte e quatro anciãos, cada um já premiado com uma coroa de ouro, ao dar glória, honra e ação de graças, e, sentindo a sua indignidade, depositou as suas coroas de ouro diante do trono, proclamando: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criastes, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” Ap.4:4,9-11. A formosura de Cristo deve ser interpretada espiritualmente, isto é, devemos contemplar as qualificações que adornam a sua Pessoa. “Nos teus lábios se extravasou a graça; por isso, Deus te abençoou para sempre” Sl.45:2. “O Verbo se fez carne e habi­tou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória (seu poder para fazer obras miraculosas), glória como do unigênito do Pai” Jo.1:14. “Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser” Hb.1:3. Quais fo­ram as impressões daqueles soldados, quando, depois de terem se encontrado com o Senhor Jesus, foram constrangidos a confessar: “Jamais alguém falou como es­te homem” Jo.7:47. Ou, da mulher samaritana, quando convidou, jubilosamente: “Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será este, porventura, o Cristo?!” Jo.4:29-30. Ou, ainda mais, quando aquela mulher adúl­tera ouviu a sentença do Senhor Jesus: “Nem eu tampouco te condeno: vai e não peques mais” Jo.8:11. Através destes, e muitos outros exemplos, entendemos o que significa descobrir e contemplar a formosura de Cristo.

II.            “Amado meu”. Devemos sentir a ênfase sobre o pronome possessivo, “meu”. Cristo é confessado por muitos, porém, de uma maneira específica, devemos declarar: Ele é “meu”, porque tive um encontro pessoal com Ele. “Nós amamos por que Ele nos amou primeiro” 1 Jo.4:19. O Ap. Pedro, falando da preciosidade de Cristo, acrescentou: “A quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma” 1 Pe.1:8-9. Devemos estudar as Escrituras Sagradas e orar para que alcancemos esta mesma certeza individual: “Cristo, Amado meu”.

III.            “Como és amável”. A condescendência de Cristo é a prova de seu amor para conosco.  “Em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo” Ef.1:4-5. O Ap. Paulo sentiu o poder desta condescen­dência quando testemunhou: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade” 1 Tm.1:12-13. Por isso, ficou tão maravilhado que repetia várias vezes: “Cristo me amou”. “Como és amável!” O Ap. Pedro experimentou esta preciosa condescendência. Ao reconhecer a divindade de Cristo, ele “prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”. Mas, Jesus não se retirou, por­que ele veio para buscar e salvar pecadores, tais como Pedro ou qualquer um de nós, Lc.5:8. Quando sentimos a condescendência de Cristo para conosco, somos constrangidos a exclamar: “Como és amável!”

b)     As três palavras que descrevem a intimidade da nossa comunhão espiritu­al com Cristo podem ser entendidas como sinônimas: leito, casa e caibras, pois descrevem a mesma experiência. Notemos o uso do pronome “nossa”. Tudo o que eu possuo pertence também a Cristo; nada é exclusivamente meu; por isso, “as traves da nossa casa”. Comunhão é possível somente com a presença de duas ou mais pessoas. “O nosso leito” descreve o descanso que temos junto de Cristo. Ele nos convida: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” Mt.11:29. “A nossa casa” descreve o local onde podemos ficar a sós com Cristo. Esta frase é muito sugestiva: “Estando Jesus à parte, achavam-se presentes os discípulos”. Era um tempo a sós com o Mestre, tempo de comunhão espiri­tual. “Os seus caibros” (um tipo de passadouro, ladeado com árvores que se encontram nos parques das grandes propriedades e que foram feitos para passei­os de lazer), oferecem um ambiente para meditação. Portanto, comunhão com Cristo significa descansar nele; tê-lo como Senhor do nosso lar; e, andar com Ele em todos os nossos empreendimentos, em todas as circunstâncias, pois estas são oportunidades para desfrutar de uma intimidade com Cristo. Que seja assim em todos os momentos do nosso viver!

Uma Ponderação Final

O que podemos concluir de tudo o que temos estudado até aqui sobre a natureza da comunhão espiritual com Cristo? É uma união de confiança entre duas ou mais pessoas; é um diálogo caracterizado por respeito mútuo; e é uma convivência harmoniosa, onde as duas partes desejam a companhia uma da outra, a fim de desfrutar de seus respectivos valores.